Leucemia Mielóide Crônica: Papel do Tratamento com Imatinib – Atualização ( tirado a maior parte do trabalho do Dr Charles Schiffer, apresentado no Congresso do ASH, 2002)

 Traduzido e comentado por Dr.a Heloisa Gallo, médica Hematologista; HSERJ.

 

Resumo:

A Leucemia Mielóide Crônica  tem um tempo médio de sobrevida de 4 anos, sem considerar-se o transplante de medula óssea. Com o aparecimento do imatinib os pacientes obtiveram respostas rápidas mesmo em crise blástica. Está sendo usado também em pacientes com leucemia linfoblástica aguda com cromossoma Philadelphia positivo no condicionamento pré transplante de medula óssea e nos pacientes com Mielodisplasia: Anemia Refratária Com Excesso de Blastos em Transformação. Aqui no Brasil é praticamente inviável o tratamento destes pacientes, principalmente em consultórios médicos hematológicos . Os pacientes na sua maioria pertencem a classe social média e seu status econômico torna inviável a compra do medicamento. Quando os médicos preenchem a solicitação do mesmo  à farmácia pública, os pacientes tem que possuir um número de matrícula em hospital público e mesmo possuindo, eles necessitam aguardar um prazo muito grande para receberem o medicamento e  iniciar o tratamento. O acompanhamento citogenético que é indispensável também não se consegue fazer pois são poucos os laboratórios que o fazem e as empresas de medicina de grupo não cobrem o preço cobrado pelos laboratórios.

Neste trabalho são apresentadas as respostas terapêuticas ao imatinib desde o início do uso do medicamento. São discutidas suas ações terapêuticas nas diferentes fases da doença e a comparação de seu resultado terapêutico com o uso de interferon e citarabina

 

Palavras Chaves: Hematologia, leucemia mielóide crônica; imatinib; fase acelerada; crise blástica

Summary:

Chronic Leukemia Myeloid is a hematologic disease which presents a median survival of 4 years, then evolution to accelerated phase, blastic crisis and death. The bone marrow transplantation were the unique hope  for cure for this disease. Since the introduction of imatinib, three years ago, we have been seen a great proportion of patients with complete remission of the disease and molecular or cytogenetic remission either. Here in Brazil we are still facing a great difficulty in treating those patients with imatinib because the high costs of the treatment, even for people from  median class because they have no funds to pay for their treatment. The cytogenetic studies are very expensive for the most of the patients and the health insurance companies does not pay for there.

In this study the therapeutic responses to imatinib are shown even in chronic and blastic crisis and they are better  than those with interferon  and cytarabine.

Key words: Hematology; imatinib mesylate; chronic myeloid leukemia; myeloid blast crisis.

 

Introdução:

A leucemia mieloide crônica

 (LMC) caracteriza-se por uma proliferação de células  mieloides na medula óssea . É caracterizada por duas fases: uma fase crônica que dura cerca de 4 anos. O paciente na maioria das vezes evolui para uma fase acelerada da doença em que começa a haver aumento da esplenomegalia, da leucometria, sem resposta à terapia usada na etapa anterior. O número de células blásticas aumenta no sangue periférico e medula óssea culminando em uma etapa chamada de crise blástica ou fase aguda semelhante a uma leucemia aguda. A evolução fatal, com uma média de 4 meses de vida nesta etapa.. O tratamento é feito com quimioterapia e transplante de medula que é feito dentro dos dois primeiros anos de diagnóstico.

A história da terapia na  leucemia aguda tem sido a de terapia agressiva citotóxica administrada em ciclos repetitivos para a obtenção da RC. Ocorre uma toxicidade acentuada em muitos órgãos principalmente na medula óssea em regeneração e no tracto gastrointestinal.

De alguns anos para cá tem se pesquisado e empregado uma nova  terapia em alvo e o inibidor da tirosino kinase, o imatinib mesylate tem sido usado no tratamento de pacientes com LMC.[1] Os resultados da inibição específica do gem  BCR-ABL tirosino kinase na LMC com remissão citogenética em pacientes recém diagnosticados. A filosofia do tratamento é inibir a molécula que é a sede do crescimento e manutenção da sobrevida das células leucêmicas. A inibição da tirosino kinase na leucemia aguda, assim como a exploração de outros alvos nestas doenças, tem sido um dos maiores desafios de tratamentos na hematologia. O estudo fase 2 usando o imatinib mesylate, conhecido então como  STI571, começou  há 3 anos,  após a apresentação de dados do estudo fase 1 na sessão plenária da  American Society of Hematology. Desde então, as drogas foram aprovadas pela  US Food and Drug Administration (FDA) e outras agências reguladoras do mundo para o uso nos pacientes em fase crônica de LMC, refratários ou intolerantes à terapia com interferon , e nos pacientes em  fase acelerada da doença ou crise blástica.

O imatinib produz uma alta taxa de resposta citogenética completa (RCC) com toxicidade mínima em pacientes recentemente diagnosticados. Este fato criou um dilema terapêutico entre os pacientes mais jovens nos quais deve ser decidido a feitura ou não do transplante de medula óssea (TMO). Até o momento, este era o único tratamento que se provou curativo na LMC, porém com os riscos conhecidos de morbidade e mortalidade, e atualmente os pacientes mais jovens optaram pela promessa do imatinib em lugar do risco oferecido pelo transplante de MO. Não se sabe, por enquanto, por quanto tempo durarão as respostas citogenéticas  e se o  imatinib será curativo para a LMC. É de muita importância se manter atualizado quanto às respostas dos estudos iniciados. Os resultados dos estudos fase 2  em pacientes previamente tratados com interferon,  com um  follow-up de cerca de  24 meses, foram apresentados  no encontro de  2002  da American Society of Hematology na Filadélfia, Pensilvania.

Crise Blástica da LMC

O prognóstico dos pacientes com crise blástica de LMC foi semelhante àquele  previamente publicado[1] .  17% dos pacientes ainda permanecem vivos em  2 anos, e  uma pequena percentagem de pacientes permanecem sem recaídas da doença.[2] O  imatinib  oferece uma paliação  razoável a curto prazo para alguns pacientes com doença avançada, incluindo aqueles com cromossoma  Philadelphia positivos e LLA,[3]  isto devendo ser visto como um meio de cito- redução antes do transplante, quando houver doador compatível.

Com isso, um trabalho arrolando 67 pacientes do  European Bone Marrow Transplant Registry[4] confirmou a impressão clínica de que os pacientes transplantados após a terapia com o  imatinib não parecem apresentar  toxicidades. Em muitos centros de transplante, o protocolo é parar-se o imatinib  antes  do regime de condicionamento para o transplante para diminuir a possibilidade de doença veno oclusiva hepática. Para os pacientes que não tem doadores compatíveis, foram feitas  triagens com  o  imatinib combinado com Qt.

Fase Acelerada da LMC

Os últimos resultados de tratamento com imatinib em  pacientes em fase acelerada[5] reforçaram alguns princípios importantes sugeridos no trabalho original.[6] Os pacientes tratados com 400 ou 600 mg de imatinib diariamente por um longo período de tempo continuaram com boa resposta hematológica principalmente para os que receberam doses mais altas do medicamento. A progressão da doença foi menor nos que receberam as maiores doses (media 9 vs 23 meses) assim como a sobrevida (estimada em  44% vs 66% em  2 anos).

A duração da resposta foi muito maior entre os pacientes que tiveram uma resposta citogenética em 3 meses de  tratamento, quando comparados com aqueles que não a tiveram. Entretanto, parece não haver a formação de um plateau em nenhum dos subgrupos. Desta forma, os pacientes em fase acelerada devem ser considerados para transplante, se medicamente apropriado.

Fase Crônica da LMC

Prognóstico dos pacientes na fase crônica da doença que  haviam sido tratados previamente com  interferon[7] e posteriormente receberam imatinib [8] :  532 pacientes que  são acompanhados por um tempo médio de 31 meses. A taxa de remissão completa (RC) foi de  48% e a maior parte das respostas ocorreu pelo 6 mês de tratamento e somente algumas poucas respostas com um maior tempo de tratamento. A sobrevida global foi de 92%, com sobrevida livre de progressão da doença de aproximadamente 85%. Os resultados foram melhores em pacientes que obtiveram a RC; > 96% dos pacientes com uma resposta citogenética completa ou parcial estão vivos, com > 90% ainda em resposta citogenética.

Estes resultados são importantes, uma vez que o tempo médio do diagnóstico ao início do  imatinib foi de quase 3 anos,  sugerindo que o  imatinib irá produzir um prolongamento substancial da vida nos pacientes com resposta citogenética. Pela primeira vez, os dados também sugerem que os pacientes com respostas citogenéticas completas tem melhor prognóstico do que aqueles que respondem parcialmente. Isto re enfatiza a importância de se fazer o acompanhamento citogenético no tratamento com o   imatinib (feitos com estudos de fluorescência com hibridização in situ,  no sangue periférico).

Novos Pacientes Diagnosticados

Por último, o prognóstico de 506 pacientes randomizados no estudo de IRIS com relação ao tratamento com o imatinib a curto prazo (média de 2 meses) após o diagnóstico parecer ser de maior superioridade   quando comparados com o  interferon/ara-C.[9] Com uma média de  follow-up de 19 meses, 86% dos pacientes que foram randomizados para o  imatinib permaneceram nesta terapia comparados com somente 11% daqueles que fizeram uso do interferon. Outros resultados obtidos nos pacientes tratados com o  imatinib  são listados na tabela abaixo.

Tabela. Prognóstico Clínico e Toxicidades do Estudo Fase 3 da IRIS

Resposta Hematológica Completa

97%

Resposta Citogenética Completa

74% (atingida rapidamente)

Sobrevida Livre de Doença

92%

Progressão para a fase acelerada ou crise blástica

~ 3% aos 18 meses

Toxicidade Não Hematológica grau 3/4

< 2%

Neutropenia grau 4

3%

Trombocitopenia grau 4

< 1%

Como esperado, a tolerância ao tratamento com  interferon foi menos satisfatória, com pelo menos 25% dos pacientes passando para o tratamento com o  imatinib por critério específico de protocolo, e um número igual de pessoas que se retiraram do protocolo e presumivelmente "pularam" para o  imatinib. Mesmo com a intenção de tratamento, que incorporou os efeitos secundários do tratamento com o  imatinib, as respostas hematológicas completas foram de  74%. Foi inferior nos pacientes randomizados para o  interferon de tal forma que o  imatinib ficou claro como tratamento de escolha para pacientes recém diagnosticados de  LMC.

Remissões Moleculares

O objetivo da terapia com imatinib é eliminar as células que tem  cromossoma Philadelphia positivas. Há  muitos trabalhos na literatura mostrando que o TMO é necessário para se obter remissões moleculares sustentadas para se prevenir recaídas da doença. Existem muito menos informações sobre o nível de BCR/ABL residual após o tratamento com imatinib.

Os estudos mais atuais de monitoração molecular pelo PCR  (polymerase chain reaction) em pacientes no protocolo de IRIS foram apresentados por Hughes & col.[10] Uma redução  > 3 log no BCR/ABL ocorreu em cerca de 40% dos pacientes tratados com imatinib, o que pode ser aumentado quando um maior número de pacientes tiverem sido tratados e com maior tempo de acompanhamento. Os resultados foram expressos como o número de  BCR/ABL vs cópias de ABL . Este nível de redução é impreciso e pode ser de magnitude diferente daquele visto em transplante alogênico, e as ramificações clínicas desta fase de tratamento, em termos de duração da remissão dependerão de acompanhamentos futuros. Na verdade, Mueller et al[11] encontrou que  poucos pacientes tratados com imatinib se tornaram negativos quando avaliados por técnicas em “ninho” de PCR. Ainda não houve padronização  dos resultados do Q-PCR, para este tipo de pacientes, e,  o manuseio cauteloso do sangue ou do aspirado de medula óssea, talvez com o emprego de agentes estabilizadores de RNA serão importantes para se obter resultados reproduzíveis.

Conclusões

Os estudos feitos até o momento dão suporte à premissa lógica de que os pacientes que respondem citogeneticamente terão sobrevida livre de doença mais prolongada com o tratamento com  imatinib . Embora os dados disponíveis ainda sejam limitados e ainda não existir uma metodologia padronizada para se medir os resultados em análises em  PCR, parece que os níveis de redução do BCR/ABL após a terapia de sucesso com  imatinib  podem não ser aqueles associados com a  "cura" após o transplante. Se este for o caso, a recaída será inevitável, embora retardada, com o tratamento isolado com o imatinib . É previsível que a fase crônica será consideravelmente prolongada (duplicada ou mais) nos paciente que responderem citogeneticamente devido ao número de células remanescentes proliferando podendo ocorrer mutações outras, em menor número . Para os pacientes mais velhos (em uma doença em que  a média de idade ao início da doença é de cerca de  50 anos), isto pode ser o suficiente,  pode funcionalmente resultar em  "cura," mesmo se a doença nunca for eliminada. Em pacientes mais jovens, mais  10 anos de fase crônica é bom mas não adequado.

Não se sabe se o uso prolongado do imatinib poderá afetar de maneira adversa o prognóstico se se fizer transplante de medula óssea, tanto por não se saber das toxicidades em baixo grau com o tratamento com  imatinib ou, mais provavelmente, porque a doença pode se tornar mais resistente associada a um tempo maior após o diagnostico. A utilidade de mini transplante em pacientes com cito redução pelo imatinib também permanece para ser definida.

Para mais informações no aconselhamento de pacientes mais jovens quanto a se fazer ou não o TMO, é imperativo que centenas de pacientes entrem nesta fase inicial crônica e continuem a serem acompanhados de perto. O monitoramento molecular, como já dito anteriormente, deverá fazer parte integral do acompanhamento e nos fornecerá chaves quanto a longevidade dos pacientes que responderão ao tratamento e quanto à utilidade do Q-PCR como ferramenta laboratorial preditiva de recaída. Paradoxalmente, a disponibilidade desta extraordinária terapia tornou o TMO um dilema e  espera-se que com os dados amadurecendo ser-  nos- ão proporcionados direções de conduta terapêutica para nossos pacientes e para nós mesmos.

Em se tratando dos pacientes brasileiros, o que temos a acrescentar é que nem todos os pacientes com LMC poderão se beneficiar com o uso desta droga, devido ao seu alto custo. Os pacientes que conseguirem o medicamento não terão como fazer monitoração citogenética......

 

Referências Bibliográficas:

1.       Sawyers CL, Hochhaus A, Feldman E, et al. GlivecTM (imatinib mesylate) induces hematologic and cytogenetic responses in patients with chronic myeloid leukemia in myeloid blast crisis: results of a phase II study. Blood. 2002;99:3530-3539.

2.       Sawyers CL, Hochhaus A, Feldman EJ, et al. Imatinib (Gleevec, STI571) in patients with chronic myeloid leukemia in myeloid blast crisis: up to 36 months follow-up of a phase II study. Program and abstracts of the 44th Annual Meeting of the American Society of Hematology; December 6-10, 2002; Philadelphia, Pennsylvania. Abstract 612.

3.       Ottmann OG, Druker BJ, Sawyers CL, et al. A phase II trial of imatinib in patients with relapsed or refractory Philadelphia chromosome positive acute lymphoid leukemias. Blood. 2002;100:1965-1971.

4.       Deininger MW, Schleuning M, Sayer H-G, et al. Allografting after imatinib therapy. No evidence for increased transplant-related mortality and favorable results in patients transplanted in remission. A retrospective study by the EBMT. Program and abstracts of the 44th Annual Meeting of the American Society of Hematology; December 6-10, 2002; Philadelphia, Pennsylvania. Abstract 3097.

5.       Talpaz M, Silver RT, Druker BJ, et al. Imatinib (STI571, Gleevec) achieves prolonged survival in patients with accelerated phase Ph+ chronic myeloid leukemia: up to 36 months follow-up of a phase II study. Program and abstracts of the 44th Annual Meeting of the American Society of Hematology; December 6-10, 2002; Philadelphia, Pennsylvania. Abstract 611.

6.       Talpaz M, Silver RT, Druker BJ, et al. Imatinib induces durable hematologic and cytogenetic responses in patients with accelerated phase chronic myeloid leukemia: results of a phase II study. Blood. 2002;99:1928-1937.

7.       Kantarjian H, Sawyers C, Hochhaus A, et al, on behalf of the STI571 International CML Study Group. Hematologic and cytogenetic responses to imatinib mesylate in chronic myelogenous leukemia. N Engl J Med. 2002;346:645-654.

8.       Kantarjian HM, Sawyers C, Hochhaus A, et al. Imatinib (Gleevec) results in sustained hematologic and cytogenetic responses among chronic-phase chronic myeloid leukemia failing interferon alfa: up to 31-month follow-up of 454 patients on phase 22 study. Program and abstracts of the 44th Annual Meeting of the American Society of Hematology; December 6-10, 2002; Philadelphia, Pennsylvania. Abstract 347.

9.       Larson RA, on Behalf of the IRIS (International Randomized IFN vs STI571) Study Group. Imatinib (STI571, Gleevec) as initial therapy for patients with newly diagnosed Ph+ chronic myeloid leukemia (CML): results of a randomized phase III study vs interferon alfa + cytarabine (IFN+AraC). Program and abstracts of the 44th Annual Meeting of the American Society of Hematology; December 6-10, 2002; Philadelphia, Pennsylvania. Abstract 2.

10.    Hughes T, Kaeda J, Branford S, et al. Molecular responses to imatinib (STI571) or interferon + Ara-C as initial therapy for CML; results in the IRIS study. Program and abstracts of the 44th Annual Meeting of the American Society of Hematology; December 6-10, 2002; Philadelphia, Pennsylvania. Abstract 345.

  1. Mueller MC, Hoerdt T, Paschka P, et al. The impact of preanalytical and analytical standardization for the detection of minimal residual disease in CML patients after therapy. Program and abstracts of the 44th Annual Meeting of the American Society of Hematology; December 6-10, 2002; Philadelphia, Pennsylvania. Abstract 2153.